🕳 Ambiguidade, curiosidade e o nascimento de Estúdios de Portfólio
A revolução já passou. A pergunta agora é: o que fazer no dia seguinte?
Não quero dar respostas.
Quero abrir sinapses.
Compartilhar as contradições que a gente tá vivendo — e como eu tenho tentado processar tudo isso.
Talvez, falando sobre elas, a gente consiga ensaiar outras formas de agir, de existir.
O fotógrafo chinês Tseng Kwong Chi se autodenominava ambiguous ambassador.
Um embaixador da ambiguidade.
A ambiguidade inclusive é um dos temas centrais do metamodernismo, se quiser pegar um trem aleatório pra um buraco de minhoca nesse exato momento.
Talvez seja isso que eu quero ser também.
Um observador que não tem um veredito — mas tem faro.
A verdade é que estamos perdendo
E não só no plano individual.
Estamos perdendo como força de trabalho digitalizada.
Falo de quem trabalha com design, produto, dados, código...
Mas também de entregadores, motoristas, atravessadores — todos engolidos pela retórica da inovação.
Transformados em “recursos”.
Empacotados como “oferta”.
Desempoderados como gente.
Enquanto tentamos criar respostas coletivas, a vida individual segue moendo.
E a tendência é continuar assim.
Coletivamente, falhamos.
Individualmente, também.
Fomos demitidos, desdiversificados, informalizados.
E agora estamos sendo seduzidos por uma nova miragem:
a inteligência artificial.
Como se ela fosse nos salvar — e não apenas reorganizar a exploração e a precarização em nova embalagem.
A revolução já passou. Estamos no aftermath
A próxima revolução já aconteceu. O mais impactante já passou.
Estamos vivendo o aftermath, ou seja, o que vem depois da grande coisa. O dia seguinte. A segunda feira.
Faz o exercício mental:
E se todas as 8 bilhões de pessoas resolvessem parar de treinar modelos de A.I. amanhã?
Por colapso energético. Rebelião global. Um acordo internacional improvável.Mesmo assim, o jogo já mudou.
A A.I. já é capaz de prever a receita do iFood com margem de erro de dois centavos.
Estamos no mesmo estágio da primeira década dos anos 2000, quando as consultorias vendiam "transformação digital".
Hoje já vendem "transformação com A.I." — com os mesmos preceitos.
Só que agora a escala é outra. E ninguém vai parar.
Nem EUA. Nem China.
Nem você, se estivesse no lugar deles.
[SPOILER ALERT] A equação é velha
Concentração de capital + nova tecnologia = novas formas de precarização e humilhação
Pra mostrar esse contraste, quero propor uma visão:
Bright Side (Otimismo Tech)
Nesse post o Greg Isenberg descreve um futuro interessante pra quem tiver acesso e fluência.
Dark Side (Black Mirror Real)
[SPOILER ALERT] No primeiro Episódio da última temporada de Black Mirror, pessoas fazem lives grotescas pra sobreviver a troco de algumas esmolas.
De um lado Cultura de lifelong learning como promessa de reinvenção constante. Estúdios de criação como laboratórios de inovação.
Do outro, Cultura de live-to-earn onde sua dignidade é o produto. Plataformas que pagam em centavos pra você arrancar o próprio dente ao vivo.
A minha aposta?
O futuro será os dois ao mesmo tempo.
Os empregos estão diminuindo.
Os que sobram, estão piores.
A gente já normalizou burnout como requisito pra uma remuneração minimamente digna.
E isso não vai mudar de cima pra baixo.
Saídas coletivas (antes que seja tarde)
Tem alguns caminhos que vejo como vitais pra qualquer reação real. Do ponto de vista coletivo, alguns movimentos que acho válidos:
Reorganizar e ressignificar os sindicatos
Aportar dinheiro (ou tempo) em iniciativas alinhadas com sua visão de mundo
Conhecer o pensamento do “outro lado” pra criar pontes reais
Se organizar politicamente como der: condomínio, bairro, conselho escolar, partido. Onde a gente conseguir e dar conta
Criar ciberespaços cooperativos fora das big techs (exemplo da Bunker, criada pelo Anderson França)
Participar de organizações que promovem pensamento crítico
Observar com atenção os ciclos de precarização ao nosso redor
Propor modelos de colaboração e cooperação digital que priorizem gente, não apenas números
No campo individual: criatividade ou fome
Nada novo pro brasileiro. Mas agora é em escala global.
Vejo a curiosidade como a bússola mais necessária nesse momento. Só que a gente se acostumou tanto com o GPS que ficamos meio perdidos com ela.
Sufocados por demandas inúteis, distrações infinitas e um mercado que trata pensamento como ruído.
A gente precisa reavivar a curiosidade.
Se reconectar com o que faz a mente vibrar.
Com o que mexe com a gente de verdade.
E fazer isso em rede. Porque nem sempre dá pra fazer tudo sozinho.
Aqui vem o pulo do gato.
🛠 As garagens do novo século
Um dos subprodutos positivos disso tudo é que acho que vamos ver nascer pequenos estúdios de portfólio.
Gente que se junta pra aprender junto, experimentar junto, errar junto.
1 a 3 pessoas.
Produzindo.
Testando.
Jogando coisa no ar.
Todos os dias.
Pessoas curiosas e precarizadas + experiência de mercado não aproveitada em grandes empresas + novos trabalhadores com menos oportunidades e mais letramento digital.
Por que não se juntar com mais umas pessoas e criar seus próprios produtos? Em vez de consultorias pra grandes empresas, pequenas cooperativas de portfólios digitais.
Eventualmente uma ou duas ideias vão dar certo.
E esse será o vibe working da próxima década.
Ou é isso, ou a gente vai virar uma caricatura do Dum Dummies.
Se tiver ressoado, me escreve, compartilha.
Quem sabe a gente começa a fazer esse estúdio juntos.
Pra quem não me conhece, sou Renato Mendes e eu que escrevo o Estratagema. Sou formado em comunicação, mas virei estrategista de produtos digitais por puro acaso. Quando as pessoas me apresentam falam que eu sou muito bom de conectar coisas aleatórias e ajudar elas a pensar em coisas não tão óbvias, ou aprofundar o óbvio de um jeito novo. Falo sobre cultura, tendências e estratégia, com tudo que tá no meio disso. Tento fazer todo mundo se sentir criativo e curioso.
Eu dou um curso online de Estratégia de Produtos Digitais na Aprender Design. Lá a gente passa por 5 encontros ao vivo online pegando cases reais e aprendendo na prática o que é essa tal de estratégia.
E se esse papo ressoou com você — comenta, me escreve, ou manda esse post pra aquela pessoa que tá montando um estúdio mental e ainda não sabe disso.
A gente precisa se conectar mais entre os ambíguos.
Mano, que pedrada, traduziu pra mim meus sentimentos sobre o que estamos vivendo.
Em 74, Teo Azevedo lançava Grito Selvagem e "O novo de hoje já é velho aqui" segue sendo minha preferida do álbum. Eu vejo muito dessa forma de "empreender por necessidade" ou "empreender por uma nova forma de viver/sobreviver" ou até "empreender é também uma forma de viver além daquilo que já temos" em diferentes lugares no Vietnam. Há décadas eles já têm essa predisposição de gerar renda própria. O emprego "formal" muitas vezes não é o suficiente para o planejamento da família. E, na verdade, a concepção milenar que eles têm com a ideia de prosperidade é diferente do que podemos encontrar em países que seguem a cartilha do tal ocidente. Nas redes sociais eles capilarizam o portifólio de iniciativas. Estão sempre "busy", ocupados com a sana de produzir (o entendimento e a relação com a produtividade é muito diferente da que estamos acostumados por aqui também).