Tendências e Confluências pra 2025
Como eu vejo o mundo caminhando esse ano: uma tentativa de tentar entender tudo que tá rolando
Vendo os relatórios de tendências dos últimos 3 anos, a maior parte do que vai acontecer já tá mapeado. Acaba virando uma reescrita da mesma coisa de formas diferentes.
Resumão é aquilo: A.I. continua evoluindo e ameaçando trabalhos, Biotech criando a nova raça humana, corrida espacial vol. 2, transição energética, inflação e juros altos mundo a fora, conflitos impacificáveis.
Então eu começo a pensar na relação dessas coisas e como a confluência delas deve moldar nossas vidas. Principalmente pensando que elas são tendências ensanduichadas, ou seja, muito influenciadas por outras questões culturais que colocam elas mais pra uma direção ou outra.
Essa linha de pensamento é uma tentativa de conectar não só os pontos, mas os movimentos e as relações entre os pontos.
“O futuro já chegou, só não está uniformemente distribuído”. William Gibson
São 2 grandes alavancas e 4 movimentos:
1. A alavanca das alavancas: a continuação e a aceleração do aumento da desigualdade
A última década foi palco de um aumento avassalador da desigualdade no mundo. Foram alguns relatórios, entre eles os da Oxfam, mostrando como a concentração de riqueza disparou principalmente durante a pandemia de COVID19, enquanto as classes médias e baixas pelo mundo empobreceram ou, no melhor dos casos, estagnaram.
A inflação corrói o poder de compra, mas ela é muito mais impactante na vida de quem recebe um salário mínimo do que na vida de quem não precisa de salário pra viver.
A gig economy e a creators economy normalizaram o esfarelamento das relações de trabalho diminuindo o poder de barganha dos trabalhadores.
O final desse movimento é uma aceleração da concentração de riqueza.
Faça um exercício: se você conhece pouquíssimas pessoas milionárias, olhe ao seu redor e perceba: tem mais gente enriquecendo muito ou mais gente entrando em dificuldades financeiras?
Tem mais gente comprando ou vendendo imóveis? Os pais e avós do seu círculo de amizade ficaram mais ricos ou mais pobres nos últimos 15 anos?
E porque isso importa? Pois vivemos na era das contradições cotidianas. Todas as tendências que falei lá no começo serão experienciadas de formas opostas, a depender de qual lado da régua a gente tá.
O petrosheik vai ganhar um gênio da lâmpada com uma impressora 3D que vai construir seu arranha-céu sem nenhuma grande equipe de obras. Do outro lado está o arquiteto, o engenheiro, pedreiros, gerentes de projeto, mestres de obras, encanadores, técnicos de eletricidade.
Não tô dizendo que o progresso não tem que acontecer. Mas tô dizendo que ele tem subprodutos que a gente não costuma lidar muito bem.
Eu espero que num futuro todos tenham uma vida tão abundante ao ponto dessa régua não existir. Mas até lá, essa régua vai ser muito usada e vai ficar cada vez mais nítida.
E isso nos leva pra grande alavanca 2:
2. A segunda alavanca: a era das realidades paralelas
Tão forte quanto a primeira alavanca, falo aqui de como é adoecedor viver numa realidade onde tudo tem vários lados e eles são extremos, contraditórios e simultâneos, 100% do tempo streamados e reagidos.
Ao mesmo tempo que temos coisas que parecem levar a gente pra um futuro melhor tipo cena de utopia, tem conflitos que parecem que vão acabar com a humanidade e nos colocar numa distopia.
"Mentes lineares em um mundo não linear”. - Donella Meadows
A depender de como está desenhado o seu algoritmo, ou você acha que a dívida pública é o grande problema dos governos ou é apenas uma ferramenta de desenvolvimento de um governo com uma moeda soberana.
O bitcoin é o futuro da liberdade ao mesmo tempo que é apenas mais uma forma de concentrar riqueza.
E o mais problemático disso é a nossa incapacidade de encontrar respostas dialéticas. Como vamos saber o que é o bitcoin até ele ser? Como vamos saber se Mises ou a TMM estão certos se nenhum governo consegue de fato implementar políticas monetárias 100% alinhadas com sua ideologia, ter adesão e coerência com a população pra testar e medir com qualidade essas políticas?
Cada vez mais parece que essas visões não vão convergir. O que significa que viveremos bastante tempo sob esse vai e vem, o que faz com que nenhum programa de governo realmente seja implementado.
Se o problema for realmente estado inflado, impostos, corrupção, não consigo ver um governo de direita implementar isso 100% em 4 ou 8 anos de governo.
Se o problema for mesmo o entendimento errado de como funciona uma moeda soberana, desigualdade, falta de regras para ultra ricos e falta de investimento público, também não consigo ver um governo de esquerda implementar isso 100% em 4 ou 8 anos de governo.
Daí fica esse vai e vem onde a culpa é sempre do outro. Qualquer lado consegue dizer que a raiz de qualquer problema sócio econômico é culpa do outro lado.
E essa é só uma das milhares facetas dessa alavanca. Em Doppleganger, Naomi Klein conta sua experiência estudando uma outra Naomi (a Wolf), que era constantemente confundida com ela. Essa porta a levou pra um detalhamento profundo de como vivemos (no caso dela nos EUA) dois mundos completamente distintos e inundado de contradições.
Vamos morrer festejando em guerras? Vamos seguir sempre criticando o outro lado, e colocando a culpa no contexto quando é o nosso lado que está no poder?
E porque isso importa? Importa pois essas realidades paralelas acabam criando, na prática, tecidos culturais distintos que convivem embaixo do mesmo tear. E dependendo de pra qual lado o pêndulo tá indo, os subprodutos cotidianos serão bem diferentes.
E isso conecta com o primeiro movimento que surge da confluência dessas duas grandes alavancas:
Movimento A) Mundo multipolar
Palavras-chave: BRICS, Trump, Putin, China, Ocidente, G-Zero, Ordem Mundial, Conflitos, Globalização, Multilateralidade
Ian Bremmer, fundador da Eurasia Group, aponta como o maior risco de 2025 o que ele chama de G-Zero:
“Um mundo sem líderes globais, onde cada nação está por si própria”.
Em 2018 eu fui na FLUP e vi um mestre dando caminhos pra um outro futuro, dentro de um quilombo. Nesse caminho ele destacava a importância dos povos marginalizados terem suas próprias tecnologias, pra que a caminhada coletiva não dependesse da vontade de poucos.
Pouco tempo depois, em algum boletim do fim do mundo durante a pandemia, vi o Bruno Torturra defender ideias parecidas frente às possibilidades catastróficas das fake news durante a pandemia. A urgência da criação de espaços digitais realmente democráticos.
Deivison Nkosi fala do colonialismo digital e aponta como tendência o monopólio dos espaços digitais na mão de empresas que lucram através da massa de dados extraídos dos nossos comportamentos enquanto normalizamos que o preço que pagamos é o entretenimento e a comodidade.
Yanis Varoufakis (sim, um link da Amazon - alavanca 2, realidades paralelas), fala sobre como ainda temos dificuldade de conceber que os novos senhores tecnofeudais ultrapassaram a linha da detenção dos meios de reprodução da vida, e agora detém os meios de mudança de comportamentos.
A China não criou uma outra internet por questões puramente econômicas.
É o unbundling da globalização.
Em 2025 sanções digitais provavelmente crescerão. Acho que vamos ver uma escalada na guerra fria tecnológica, com mais episódios como o banimento do Tiktok nos EUA ou do X aqui no Brasil.
Além disso acho que também veremos uma aceleração na criação de novos espaços sociais digitais.
Pense em como o caminho natural do influenciador termina em ser produto de si em sua própria rede de pessoas, com seu próprio canal (não tão próprio assim, mas é pra fazer o ponto). Da esquerda à direita temos inúmeros exemplos de pessoas que viraram comunidades, criaram plataformas fechadas de conteúdo e estão expandindo até se tornarem universidades digitais.
Meu chute: 2025 vai ser o ano da expansão dos nanostreamings, nanotwitters, nanoformações. Todo mundo vai querer criar seu próprio Netflix, sua própria rede social.
Já passamos por isso antes, pós febre do orkut. A diferença é que agora o cenário tecnológico, político e econômico é mais propenso a dar mais certo. Temos mais know-how de como fazer, banda larga acessível, novas camadas de abstração de códigos digitais que deixam a criação de espaços digitais mais acessíveis - hoje com ferramentas no-code/low code é muito mais fácil criar uma plataforma de conteúdo própria com direito a streaming e pagamento do que era 20 anos atrás.
Além do mais, após décadas aprendendo a viver pulando de stories pra reels, estamos treinados pra fazer isso em novos lugares.
Movimento B) A transição da segunda para a terceira ruptura
Palavras-chave: Informação, desigualdade, biotech, ruptura, A.I.
Aaron Bastian propõe no “Comunismo de luxo totalmente automatizado” a interpretação de que a humanidade passa por grandes rupturas, momentos de transição da lógica da escassez de algo importante para nós, para uma lógica de abundância desse algo.
A primeira ruptura, a agricultura, nos trouxe a abundância de alimentos, nos liberou tempo e cérebro pra pensar no futuro. A segunda ruptura, por outro lado, que estaria em seu estágio final, nos tirou da escassez de força motriz e nos deu maior alcance e capacidade de progresso.
A terceira ruptura seria o fim da escassez de informações. Uma oferta cada vez mais exponencial de coleta, processamento, armazenamento e distribuição de informações digitais sobre absolutamente tudo, que estariam mudando não só o mercado de trabalho, como também tudo que temos de conhecimento e como manipular esse conhecimento.
Seja aumentando nossa capacidade biotecnológica de manipulação de genes (apontado por, entre outras, Amy Webb), ou a exaustão de informações humanas para treinamento de AIs citada por Musk , essa transição vai nos colocar mais uma vez de frente com uma situação sem precedentes em relação a como nos relacionamos com o mundo digital.
Essa ruptura já é e vai ser muito mais rápida do que a nossa capacidade de aprender, adaptar e legislar sobre ela.
Minha visão: se os movimentos acima realmente confluírem, a tendência é a de que as novas tecnologias oriundas dessa ruptura reforcem mais ainda a desigualdade e a criação de realidades paralelas.
Ao mesmo tempo, como constante no mundo de realidades paralelas coexistentes, o subproduto disso para quem fica do outro lado da régua pode ser o surgimento de novos mercados.
Eu gosto de fazer sempre o paralelo com o acesso às ferramentas de produção musical. Os hardwares e softwares evoluíram tanto e ficaram tão acessíveis que gerou uma onda de novos produtores musicais Brasil Profundo a dentro.
Movimento C) Aceleração da guinada pra direita e o fim das políticas corporativas de diversidade
Palavras-chaev: Trumpnomics, Milei, Trudeau, Musk e AfD, Zuckerberg, declínio dos fundos ESG
Muitas empresas antes chegavam a ter metas de inclusão para PCDs, mulheres, pessoas pretas e LGBTQIAPN+. Hoje em dia quando vemos uma meta de inclusão de mulheres já é muito.
Em 2022 eu ouvi em alguma palestra que “quando o resultado aperta, a diversidade é a primeira a sair do orçamento”. Infelizmente eu não me recordo qual foi a palestra.
Esse movimento já era algo que aparecia como crítica ao “movimento woke” das empresas, mas ganhou mais força recentemente. Se conecta com movimento de empresas retornando ao modelo presencial sem clareza do porque e às demissões em massa nos últimos anos.
Acredito que esse movimento seja acelerado pela primeira alavanca, já que com o aumento da desigualdade, a hiper individualização da população, a pressão por margens de lucro mais altas e taxas de crescimento maiores, a classe trabalhadora perdeu muito poder de barganha. E isso é relativamente novo pros “trabalhadores digitais”.
Meu chute: Não me surpreenderia com a consolidação desse caminho. Acho que pouco a pouco vamos ver a destituição de áreas de D&I, o esvaziamento do conceito de ESG (provavelmente assumindo um foco maior só no “E” mesmo) e a diminuição das políticas corporativas de D&I, provavelmente até quebrando promessas de metas de inclusão.
Muita gente nos EUA já comemora o fim da cultura woke nas empresas e a volta à cultura de trabalho “de verdade”.
Vejo essa como a principal força a moldar as relações de trabalho em 2025.
Movimento D) Não será sobre AGI, mas sobre Agentes e Verticais
Palavras-chave: A.I. Agents, Mid level Developers, Verticalização, SaS (Serviço como Software)
Quando junto tudo que eu consumi sobre A.I nos últimos anos, tentando consumir de forma igualitária as visões opostas sobre esse tema (ou é o fim da humanidade ou é um fad, apenas mais uma ferramenta de aumento de produtividade), minha intuição me joga a pensar que não é nem um, nem outro.
Não acho que a AGI tá ali na frente, nem que ela é o que vai mudar tudo esse ano. Ao mesmo tempo não é só uma nova tecnologia.
Modelo a modelo, vemos uma evolução na forma como esses algoritmos conseguem resolver problemas específicos, de disciplinas específicas. Vai fazer muito mais sentido conseguirmos ter várias AIs específicas do que uma AGI nível Deus. Pelo menos em 2025.
Da dobra de proteínas ao ganho de escala nas burocracias advocatícias, eu chuto que 2025 vai ser o ano desses agentes verticais. Algoritmos especializados em um nicho, mercado, tarefa ou uma parte muito específica da cadeia de valor de um serviço.
Já vi pessoa falando da era do SaS. Não mais o software as a service, mas Service as Software. Ou seja, estamos falando de um mercado de agentes digitais que farão serviços que hoje são realizados por áreas, e não AIs fodonas que vão tocar as empresas. A Y Combinator estima que o mercado de AI Agents vai ser 10x maior que o de SaaS.
Eu sinceramente não acredito que quando o Zuck falou da substituição dos “mid level engineers” estava falando de um modelo capaz de codar qualquer coisa em qualquer contexto. É mais plausível imaginar vários modelos verticalizados ultra eficientes e confiáveis que em conjunto podem substituir os “mid level engineers”. É uma mudança sutil, mas que dá a base pra gente imaginar como vai ser nossa relação com essa tecnologia.
O caminho que eu acharia lindo: fazer mais com o mesmo; se temos 100 desenvolvedores mantendo meu produto e criando coisas novas, imagina o que cada desenvolvedor desse faria com um time de 100 engenheiros AI?
O caminho que acho que vai seguir: se tiver AI devs mid levels, vão demitir os juniores e depois os mid levels também, amassando escopo nos desenvolvedores mais seniores.
Essa tecnologia poderia ser a resposta do dilema de crescimento das empresas. Sempre acontece das empresas quererem fazer coisas demais com gente de menos. Bom, essa pode ser a reposta pra fazer coisas de mais com as mesmas pessoas.
Pessoas que estão em posição de definir estratégia de AI nas empresas: lutem por fazer muito mais com o mesmo, e não pelo fazer o mesmo com menos.
Quando formos pensar nas estratégias de tecnologia nas empresas, sugiro colocar como premissa de pensamento: como AI vai ajudar a escalar o core da modelagem de negócio via tecnologia ao invés de apenas olhar pra escala de throughput dos times? Se a sua empresa sofre com integrações entre habilitadores, parceiros e fornecedores, e isso não vai mudar pois faz parte do modelo de negócio da empresa, faz sentido pensar em como utilizar as evoluções de AI pra automatizar essas integrações, por exemplo.
Colisão
Se todas essas coisas forem nessa direção mesmo, fico pensando se um outro resultado também poderia ser um surgimento de um novo mercado, alternativo, paralelo ao mercado atual, utilizando-se da mão de obra altamente qualificada pelas últimas décadas de avanços tecnológicos colidindo com um acesso mais amplo à ferramentas de criação digital (subproduto inerente à acelerada adoção de inteligências artificiais).
Esse mercado paralelo criaria tudo paralelo: infraestrutura, armazenamento, redes, integrações, camadas de pagamento. “Negócios de bairro” em pequenos bairros digitais.
A diferença estaria nas regras do jogo: negócios menores, mais nichados, sem a intenção de dominar o mercado e o mundo, taxas de crescimento menos agressivas, métodos de trabalho mais flexíveis, investimentos em soluções de problemas ao invés de aplicações pra rentabilizar…
Talvez num futuro próximo a abundância das três rupturas juntas facilitem o surgimento desses mercados. Alguma parcela da população não é atendida por não ter um TAM sedutor suficiente? Se tudo for fácil, talvez essa própria população crie seu mercado.
Mas, por hora, temos um combo pesado para o proletariado: crise climática, crise econômica, aumento da desigualdade, AI como ferramenta de aumento dessa desigualdade, guinada pra direita, perda de poder de barganha, governos pressionados por austeridade tendo que cortar gastos em programas de combate a desigualdade, transferência de assets das gerações anteriores para os ultra ricos, decisões a nível de espécie nas mãos de (poucas) pessoas duvidosas.
Quanto mais pro lado da riqueza você tiver, melhor o mundo vai parecer. Quanto mais pro lado da pobreza você tiver, mais árido e distópico o mundo vai ser. Vejo melhorias significativas no mundo de quem tem o acumulo de poder do 0,001% enquanto vejo pioras assombrosas na vida de quem está na base (perda de direitos, dificuldade em acessar o mercado de trabalho, perda de políticas de assistência, fim da ascensão social).
Estamos progredindo, às custas de muito estresse e dor.
Mensagem final: eu não sei muito bem ainda como lidar com tudo isso. Parte de escrever aqui é também botar o cérebro pra funcionar e pensar nisso. Mas uma coisa é certa: ninguém gasta bilhões em bunkers pra nunca usar.